Ciúmes: o que acontece quando você se perde de si e começa a vigiar o outro
- Bruna de Campos
- 14 de mai.
- 3 min de leitura
O ciúmes costuma chegar como um desconforto no estômago, uma inquietação disfarçada de zelo, um controle que se veste de cuidado. Às vezes se manifesta como uma cobrança sutil, outras vezes como um silêncio gelado. Quase sempre, vem acompanhado de uma fantasia: a de que o outro está nos traindo. Mas a traição que realmente nos afeta pode ser mais íntima — e silenciosa: a de termos deixado a nós mesmos para trás.
Se fosse possível escutar com nitidez o que o ciúmes diz, talvez ouvisse: “você não está mais em casa dentro de si. E agora vigia o outro, porque não sabe mais quem é quando não está trabalhando.”
Em consultório, é comum ver pessoas que confundem ciúmes com amor. Mas o ciúmes raramente é sobre o outro. Ele é, com frequência, um reflexo da insegurança que nasce quando abrimos mão do nosso espaço interno — e passamos a viver apenas em função de metas, tarefas e planilhas. Deixamos de nos desejar. E quem não se deseja, não acredita que pode ser desejado por mais ninguém.
A sociedade contemporânea transformou a produtividade em uma forma de moral. O tempo ocioso virou pecado e o descanso é quase uma falha de caráter. Homens e mulheres — mas especialmente homens — foram ensinados a medir seu valor pela capacidade de entregar, proteger e performar. E nesse movimento, o corpo vira máquina, o afeto é engavetado, e a vida emocional se torna ruído de fundo.
O problema é que o desejo não nasce da responsabilidade. Ele precisa de leveza, de surpresa, de espaço. Como lembra Esther Perel, “desejo é querer. E não podemos querer aquilo que já sentimos que possuímos completamente.” Ou seja: se o relacionamento é tomado pela previsibilidade, pela ausência de mistério e pelo esgotamento físico e emocional, o desejo desaparece. E no lugar dele nasce… o medo.

Medo de ser trocado. Medo de ser invisível. Medo de não causar mais impacto.
É aí que o ciúmes se instala. Porque, ao invés de se perguntar “o que está acontecendo comigo?”, você começa a se perguntar “com quem ela está falando?”. E, enquanto vigia o outro, se afasta cada vez mais de si mesmo — e da possibilidade de recuperar o que foi perdido: sua vitalidade.
Ao contrário do que nos ensinaram, o ciúmes não é uma demonstração de amor. Ele é um sintoma. E por trás dele, há uma história: de abandono de si, de silenciamento dos próprios desejos, de rotina que engole o brilho do olhar. Não é raro ver executivos, empreendedores e homens bem-sucedidos que se sentem ameaçados não porque há algo de errado com o relacionamento — mas porque eles mesmos deixaram de se reconhecer diante do espelho.
A segurança emocional não vem do controle sobre o outro, mas da reconexão consigo. E o desejo não nasce da fusão, mas da distância segura que permite ver o outro como alguém separado, misterioso e fascinante — e não como extensão da sua rotina.
Por isso, se o ciúmes apareceu, não trate como inimigo. Trate como alarme.
Ele pode estar apenas avisando que você se esqueceu de olhar pra si. Que sua identidade ficou soterrada sob metas e obrigações. E que é hora de voltar pra casa — dentro do próprio corpo, dentro da própria história.
O desejo se alimenta da presença. E você não pode ser desejado por alguém, se não estiver presente nem para si mesmo.
Leu até o fim? Então você já começou.
(O resto, a gente conversa na terapia.)
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