Onde fui parar dentro do relacionamento que construí?
- Bruna de Campos
- 14 de mai.
- 2 min de leitura
Durante muito tempo, achamos que tínhamos um “nós”.
“Nós decidimos casar.”
“Nós criamos os filhos.”
“Nós superamos crises.”
“Nós vencemos juntos.”
Mas, aos poucos — às vezes depois de 10, 20, 30 anos de vida a dois — começa a surgir uma pergunta inquieta, quase sussurrada:
“Será que esse ‘nós’ sempre incluiu a minha vontade?”
E a resposta, para muita gente, dói:
Não sei.
Ou pior: acho que não.
Em nome do amor, da família, da estabilidade, deixamos o “eu” em segundo plano.
Não por maldade. Não por covardia.
Mas porque era o que se fazia.
Porque parecia nobre, bonito, certo.
Mas um dia, entre uma louça lavada e uma rotina repetida, começamos a sentir falta de nós mesmos.
E não é do outro que sentimos falta — é de quem éramos antes de nos dissolver no “nós”.
E aí, o que era uma parceria começa a parecer um papel.
Uma obrigação.
Um lugar onde ainda se mora, mas já não se vive.
A gente começa a perceber que passou anos tentando se encaixar —
No tempo do outro, no desejo do outro, nas prioridades do outro —
E o “nós” que parecia um abrigo, virou um espelho rachado:
Eu estou aqui? Ou só sobrou a função que exerço nesse relacionamento?
Não se trata de culpa.
Nem de jogar no outro a responsabilidade por tudo que engolimos calados.
É mais profundo que isso: trata-se de acordar para a própria ausência.
E quando esse despertar vem, ele costuma vir acompanhado de inquietações:
• E se ainda der tempo de me reinventar?
• E se a vida a dois puder ser diferente, mais justa, mais viva?
• E se for tarde demais?

Algumas pessoas optam por sair.
Outras tentam refazer a ponte — agora de forma mais consciente, mais honesta.
E há quem escolha ficar, mesmo sabendo que algo ali morreu.
Nenhuma escolha é simples. Mas todas são legítimas.
O importante é entender que ninguém precisa desaparecer dentro de uma relação para que ela funcione.
O amor não pode exigir autoaniquilação para se manter.
Compromisso não é sinônimo de silêncio.
E estar junto só faz sentido quando a gente também está inteiro.
Talvez o verdadeiro “nós” só seja possível quando cada um tem espaço para ser “eu” — com vontades, limites, desejos e medos.
E talvez o maior ato de amor nos relacionamentos longos não seja sustentar o que foi, mas ter coragem de reconstruir o que ainda pode ser.
Afinal, já dizia o poeta: Desejo que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado, ainda exista amor para recomeçar!
(texto originalmente publicado em https://tribunavalinhense.com.br/wp-content/uploads/2025/04/Tribuna-valinhense172.pdf)
Leu até o fim? Então você já começou.
(O resto, a gente conversa na terapia.)
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